quinta-feira, 29 de abril de 2010

Cabeça-dura

Assim que saiu do trabalho, nossa heroína pôs seu chinelinho e andou pelas ruas do bairro atrás de uma Drogasmil. Farmácia encontrada, remédios comprados, pegou o 438 para casa. Chovia. Em frente à sua casa, há um ponto de ônibus invisível. Para os motoristas de ônibus, pelo menos, pois nenhum para lá, deixando para fazê-lo alguns metros à frente, no sinal. Por precaução, fez sinal logo que o coletivo deixou o ponto anterior. "Com esta chuva toda, ele tem que me deixar no lugar certo", pensou. O ônibus parou no sinal. A moça resolveu se dirigir à porta e pediu para saltar. Foi ignorada. Insistiu e continuou sem resposta. O motorista ouvia pagodinhos em volume considerável. Na terceira vez, ouviu a advertência grosseira "Isso aqui não é ponto, moça, e não sou baleiro pra você ficar me chamando". Sim, sim, ele estaria certo. Se esta zona aqui não se chamasse Rio de Janeiro, Terra Das Pessoas Sem Educação. Ela poderia ter ficado quieta, mas, porra, teve um dia do cão e não merecia ser tratada assim. Respondeu, reclamando que nunca paravam no outro ponto, isso é um absurdo, o salário mínimo é uma desgraça, blá, blá, blá. Tanto reclamou que o sujeito simpático abriu a porta. Ao pisar no segundo degrau, percebeu que havia uma poça enorme, ou melhor, ENORME, embaixo do ônibus. Ela não poderia mais voltar. Pisou na poça e seus pés afundaram na água. Ao levantar o primeiro pé para subir no meio-fio, seu chinelo escapou e começou a boiar. Nossa heroína, instintivamente, retirou o outro chinelo e continuou caminhando, como se nada tivesse acontecido, sem olhar para trás.

Perderia o chinelo, mas não a dignidade.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.

Meu interesse por futebol começou em 1992/1993. À época, eu dividia o quarto com meu irmão mais velho e era "obrigada" a assistir a partidas de times da terceira divisão do campeonato sergipano. O ó. Mas, em 93, o Flamengo disputou a final da Super Copa com o São Paulo e perdeu. E eu chorei feito um bebê. Acho que só tinha chorado assim quando minha cachorrinha vira-lata Miúcha tinha morrido, muitos anos antes. Lembro do cadáver estirado na área do apartamento como se fosse hoje. Muito querida, aquela bichinha. Enfim, aquele jogo fez com que eu passasse a ver os jogos com real interesse.

- Ah, Fernanda, mas por que o Flamengo?

Minha mãe era flamenguista, apesar do pai vascaíno. Quando o Mengão ganhava, ela corria pra sala e colocava o hino rubro-negro berrando no som. Lembrança boa. Meu irmão é flamenguista também e minha irmã mais velha idem, apesar de ignorar solenemente o esporte. Meu pai diz que é por minha causa. Ele sabe que vou deserdá-lo caso vire casaca e eu não engoli muito bem essa coisa de torcer também pelo Palmeiras só porque sua esposa e filho são. Por estar cercada de flamenguistas e achar a combinação vermelha e preta um luxo, não tinha como eu escolher outro time.

E aí que fui ao Maracanã pela primeira vez, já velhinha, aos 14 anos. O jogo? Vasco x La Coruña. Meu ex-cunhado, torcedor doido (redundância número um) do time de São Longe pra Caralho Januário, resolveu levar a família toda à despedida do Roberto Dinamite. Coitadinho, o time dele perdeu de 2x1 de virada com direito a gol do Bebeto, ex-jogador do Vasco. Podia ter dormido sem essa. Por coincidência, a primeira ida ao Maraca pra ver o Flamengo jogando foi contra o cruzcredomaltino. Se eu disser que foi 2x1 Mengão de virada vocês vão acreditar? Pois é, a vida é mesmo cheia de surpresas - ou não.

De lá pra cá, prestigiei o Mais Querido muitas vezes, mas sempre com aquele senso crítico pé no chão que me permite saber se o time está bem ou não fazendo por onde. A final do Brasileiro de 2009 foi linda para o Mengão, mas xinguei muito mais do que comemorei, pois passei um perrengue dos infernos para estar no Maracanã e o time não jogou porra nenhuma.

Eu adoro o Flamengo. E adoro adorar o Flamengo. Fazer parte da maior torcida do Brasil que suporta o time mais importante do Brasil é um prazer que só nós, flamenguistas, temos. Quando o Flamengo ganha, as ruas ficam lindas, alegres, descontraídas. Quando perde, bem, aí é melhor sair antes do jogo acabar para não correr o risco de levar uma cadeirada na cabeça, mas é só ficar esperto. É a torcida mais democrática, heterogênea. Tem gente bonita, feia, com e sem os dentes, preta, branca, amarela, que vai de BMW ou trem para o Maracanã. E é uma torcida apaixonada e devota, que não liga pra esse papinho chato e repetitivo de "favela/mulambada". O que para vocês, antiflamenguistas feiosos cheios de preconceito, é uma crítica, para nós é motivo de orgulho. Vocês nunca vão saber o que é subir a rampa do Maraca com a mão no ombro de um negão que nunca viu cantando "Uh-tererê". E, também, o que é ganhar um Mundial, uma Libertadores, seis Brasileiros, 31 cariocas... mas aí já é outra história.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

...

Os deuses da TV a cabo, num momento único de generosidade, decidiram me dar acesso aos diversos canais do pacote mais completo do catálogo. Estou certa de que é temporário ou não passará em branco e o prejuízo virá na minha próxima fatura, mas por enquanto vou aproveitando o leque de opções cinematográficas. Tamanha boa vontade me permitiu assistir a bons filmes, mas fez com que eu tivesse certeza de que não vale a pena gastar dinheirinhos com estes canais todos. É pouca coisa que presta.

Ontem, antes de dormir, decidi conferir o que passava de interessante entre os canais 61 e 76. Foi quando vi que começava um filme que havia chamado minha atenção quando exibido nos cinemas: "Nossa Vida Sem Grace".

John Cusack é um vendedor, pai de duas meninas, que acaba de perder sua mulher, morta em serviço no Iraque. Ele não consegue contar o que aconteceu para as filhas, então decide levá-las numa viagem de carro, fazendo tudo o que as duas pimpolhas querem. O filme é melancólico até dizer chega, mas bonito.

E nem preciso dizer que chorei feito um botafoguense quando os créditos subiram. Chorei, ó, de soluçar.

Estou pra conhecer quem diga que passar por uma perda não é difícil pra cacete. O tempo passa, o tempo voa, a gente deixa de querer morrer junto, mas passa a conviver com a maldita saudade, que fica ali, à espreita, esperando o momento de dar um bote. Uma bomba. Eu já sou chorona profissional, sindicalizada e tudo, então me dói ver quase tudo, já que é quase impossível encontrar algo que não me lembre aquela maluquinha.

"Saudade, amor, que saudade
Que me vira pelo avesso
Que revira meu avesso"