quinta-feira, 29 de abril de 2010

Cabeça-dura

Assim que saiu do trabalho, nossa heroína pôs seu chinelinho e andou pelas ruas do bairro atrás de uma Drogasmil. Farmácia encontrada, remédios comprados, pegou o 438 para casa. Chovia. Em frente à sua casa, há um ponto de ônibus invisível. Para os motoristas de ônibus, pelo menos, pois nenhum para lá, deixando para fazê-lo alguns metros à frente, no sinal. Por precaução, fez sinal logo que o coletivo deixou o ponto anterior. "Com esta chuva toda, ele tem que me deixar no lugar certo", pensou. O ônibus parou no sinal. A moça resolveu se dirigir à porta e pediu para saltar. Foi ignorada. Insistiu e continuou sem resposta. O motorista ouvia pagodinhos em volume considerável. Na terceira vez, ouviu a advertência grosseira "Isso aqui não é ponto, moça, e não sou baleiro pra você ficar me chamando". Sim, sim, ele estaria certo. Se esta zona aqui não se chamasse Rio de Janeiro, Terra Das Pessoas Sem Educação. Ela poderia ter ficado quieta, mas, porra, teve um dia do cão e não merecia ser tratada assim. Respondeu, reclamando que nunca paravam no outro ponto, isso é um absurdo, o salário mínimo é uma desgraça, blá, blá, blá. Tanto reclamou que o sujeito simpático abriu a porta. Ao pisar no segundo degrau, percebeu que havia uma poça enorme, ou melhor, ENORME, embaixo do ônibus. Ela não poderia mais voltar. Pisou na poça e seus pés afundaram na água. Ao levantar o primeiro pé para subir no meio-fio, seu chinelo escapou e começou a boiar. Nossa heroína, instintivamente, retirou o outro chinelo e continuou caminhando, como se nada tivesse acontecido, sem olhar para trás.

Perderia o chinelo, mas não a dignidade.

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